Francisca das Chagas da Trindade nasceu em 1966, em Teresina, filha de um desejo coletivo, da revolução ancestral, da volta da esperança. Teresina já diz tudo: tem “T” de Trindade no nome.
Desde menina, a luta corria em seu sangue. No bairro Água Mineral, Trindade encontrou seu chamado nos movimentos populares. Mulher de coragem, de causa e liderança natural, ela deu voz aos esquecidos: lutou pela moradia, pela dignidade das mulheres, da população negra, pela justiça ambiental e pela liberdade da comunidade LGBT. Seu verbo era afiado, sua presença, força. Ela não esperava, fazia acontecer.
“Não se nasce mulher, torna-se mulher, como dizia minha amiga Simone”, gostava de repetir com aquele sorriso que misturava diplomacia e convicção. E ela mesma se tornou a mulher que muitos temeram e muitos amaram: cantava, ria alto, falava com o povo como quem compartilha um segredo de futuro.
Formada em Filosofia e Teologia pela UFPI, nunca se afastou da militância. Em 1992, foi eleita primeira suplente de vereadora em Teresina. Quando assumiu, a cidade tremeu. Jovem, negra, filha de uma lavadeira e um pedreiro, ela não era o tipo de política que as elites esperavam. E elas reagiram com perseguições. Mas Trindade não se curvou.
Reeleita em 1996, em 1998 chegou à Assembleia Legislativa, um espaço moldado para homens, onde reivindicou até o direito básico a um banheiro feminino e desafiou regras de vestimenta. Lutou por direitos, espaço e voz.
Mãe de Camila e Yan, a maternidade foi bandeira de luta. Ao engravidar, percebeu que o parlamento não previa licença-maternidade para parlamentares. Voltou ao trabalho antes do resguardo para não perder o mandato — e ajudou a mudar essa realidade com o Projeto de Lei da Câmara nº 104/2003, garantindo licença-maternidade e paternidade aos parlamentares.
Em 2000, foi candidata a vice-prefeita de Teresina e, em 2002, elegeu-se deputada federal com recorde de 165.190 votos. Em Brasília, seguiu sua missão de transformar estruturas.
Mas o destino cortou seu voo prematuramente. Durante um discurso na Conferência Estadual de Apicultura e Pesca, Trindade caiu — e Teresina caiu com ela. Seu velório, no Ginásio Verdão, reuniu 150 mil pessoas, um marco jamais visto no Piauí.
Trindade era diplomacia e combate, uma voz firme e perspicaz que transformava cada fala em manifesto. Mas onde estão seus discursos, suas entrevistas, seus projetos? A quem interessa apagar sua história? Teresina já diz tudo: tem o T de Trindade.
Sua chama nunca se apagará. Podem calar o mensageiro, mas nunca a mensagem.
Trindade vive!