Eu não cresci amando o lugar de onde eu vim.
Nasci no interior do Piauí, numa cidade com menos de dez mil habitantes chamada São Francisco do Piauí, e desde muito cedo aprendi que sair dali era o único caminho para “vencer na vida”. Sempre ouvi meu povo se queixar da nossa terra, como se estar em qualquer outro lugar fosse sempre melhor, mais promissor, mais digno de orgulho.
Cresci sem me orgulhar dos nossos carnaubais, da vaquejada, do forró pé de serra, do Rio Piauí, da Igrejinha de Pedra, da nossa história… Tudo lá parecia menor e menos importante.
E foi assim que, na primeira oportunidade, vim para Teresina ainda adolescente. Para mim, menina do interior, a capital parecia um sonho. Mas foi logo no primeiro mês nessa terra que ouvi, pela primeira vez: “O piauiense odeia o Piauí”. No começo, achei exagero, mas com o tempo compreendi.
Essa dor que carregamos é quase inconsciente, uma ferida antiga. E esse sentimento é ainda mais forte quando pensamos nos outros 223 municípios que formam o estado.
Mas eu não culpo o nosso povo por esse ódio, por essa dor. A responsabilidade é de quem veio antes. De mais de dois séculos de governos que não cultivaram e nem cultivam esse afeto.
Como amar um estado que sempre vimos sendo sucateado e maltratado por quem deveria cuidar? Como se orgulhar de uma terra onde as oportunidades parecem sempre estar em outro lugar?
Nego Bispo, filósofo quilombola piauiense, disse uma vez: “Nossas trajetórias nos movem, nossa ancestralidade nos guia”.
Entendi que é pelo caminho que percorremos, pelas experiências que vivemos, que começamos a entender quem somos. Mas que principalmente, é pela ancestralidade, pelo lugar de onde viemos e pelas raízes deixadas por aqueles que vieram antes de nós, que nos encontramos.
Para amar o Piauí, é preciso voltar os olhos para a nossa ancestralidade com respeito, crítica e curiosidade. Como quem abre um baú antigo e encontra um tesouro em forma de memória. É preciso reconhecer também a nossa trajetória, nossas lutas, escolhas, acertos e erros. Porque amar é difícil, não se aprende de um dia para o outro e nunca é um caminho linear.
Eu não nasci amando o lugar de onde vim. Mas, aos poucos, com paciência, escolho aprender a amar meu Piauí. E tudo aquilo que um dia julguei pequeno, os carnaubais, a vaquejada, o forró, o Rio Piauí… hoje tem minha admiração.
E espero que você, que leu este texto até aqui e se sente assim como eu, escolha aprender a amar o Piauí também.
